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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ética


Wilson Horvath
Ética em tempos pós-modernos[1]


O pensamento ético, desde os primórdios da humanidade, guia a ação humana, visando a sobrevivência e o bem-estar da coletividade. Ao longo da história, ele teve diversos fundamentos, que se manifestaram em forma de moral, dando força de lei, ao pensamento ético. Os fundamentos eram: na antiguidade, os ancestrais comuns, os heróis da cidade, os deuses, as forças da natureza; na cristandade, Deus e os Dogmas Católicos; na modernidade, a razão e a ciência. O Deus cristão dessacralizou o paganismo e que por sua vez foi dessacralizado pela ciência e a razão[2]. Essas perderam sua força e credibilidade com as catástrofes ecológicas e nucleares, que revelaram a ambiguidade da ciência e da razão e o poder de destruição que elas carregam em si, e, também, com o fim da utopia socialista, essa formulada com base na ciência econômica.
A pós-modernidade[3] inicia com uma crise de fundamentos, ou seja, tudo aquilo que nos dava aporte para nossas ações éticas não tem mais a força reguladora e mobilizadora da sociedade. Segundo Edgar Morin:

Os fundamentos da ética estão em crise no mundo ocidental. Deus está ausente. A lei foi dessacralizada. O superego social já não se impõe incondicionalmente e, em alguns casos, também está ausente. O sentido da responsabilidade encolheu; o sentido da solidariedade, enfraqueceu-se.
A crise dos fundamentos da ética situa-se numa crise geral dos fundamentos da certeza: crise dos fundamentos do conhecimento filosófico, crise dos fundamentos do conhecimento científico (2007, p. 27; grifo nosso).

A crise de fundamentos gerou uma enorme desesperança e vazio em diversos grupos sociais que lutavam por uma sociedade mais justa. Muitos militantes e intelectuais estagnaram diante das determinações neoliberais (NOVAES, 2006); outros afirmaram que chegamos ao fim da história e a única alternativa era adaptar as imposições neoliberais. Essas reações são compreensíveis, pois desde o surgimento dos primeiros seres humanos, os fundamentos nos davam certeza que nossa ação daria certo e que estávamos agindo corretamente.
Paralelamente, novos movimentos sociais surgem a cada instante e antigos movimentos estão re-elaborando suas concepções. Pensadores pós-modernos procuram desesperadamente respostas aos problemas existentes, tais como: acabar com a fome, miséria, solidão, guerras, devastação ecológica. Edgar Morin se insere nessa corrente.
Morin é um pensador da e para a crise de fundamentos, ou seja, sua reflexão parte da crise, procurando entendê-la, para propor estratégias[4] a fim de superar os problemas existentes. A novidade trazida por ele é a forma como ele concebe a crise de fundamentos. Ao invés, de vê-la como algo ruim e desesperançoso, Morin a entende como parte do processo de emancipação humana (Ibidem, p. 91), inciada com o iluminismo, mas que foi aprisionada novamente por esse movimento através da razão e da ciência. Esses ao falharem, então caiu por terra a ilusão, em que ambos carregavam a salvação para humanidade. Nas palavras de Morin:

Muitos acreditam que perdemos tudo ao perder nossas ilusões. Ao contrário, fizemos uma prodigiosa aquisição ao perder nossos erros: A tomada de consciência necessária e, talvez, no jogo da verdade e do erro, salutar. Perdemos a promessa de progresso, mas é um enorme progresso, enfim, descobrir que o progresso era um mito” (2010, p. 53-4).

Pela primeira vez na história da humanidade, nós estamos sós, abandonados à própria sorte. Não há nada (religião, partido político, ciência)[5] que nos indique o caminho a ser seguido e não há caminho, a não ser aquele que construiremos ao caminhar[6]. E sem nada que nos dê aporte, nós precisamos solucionar os problemas da humanidade, esses que maximalizaram na modernidade e agora colocam o ser humano e toda a vida no planeta em risco de extinção. A humanidade atingiu simultaneamente um grande patamar de desenvolvimento científico, que foi usado visando a obtenção de lucros e que através de técnicas devastam o planeta, mas também atingimos uma enorme carência ética para pensar os problemas existentes (Idem, 2007, p. 171). O individualismo, que impera em grande parte das pessoas, que buscam a sua felicidade individual a qualquer preço (Idem, p. 26). “O sentido da responsabilidade encolheu; o sentido da solidariedade, enfraqueceu-se” (Ibidem, p. 27). “Atualmente o planeta é incapaz de tratar dos seus problemas vitais e evitar perigos mortais” (Ibidem, p. 181).

“Onde cresce o perigo, cresce também o que salva”[7]

O perigo de aquilamento da vida no planeta e o individualismo são os pontos de partida da ética moriniana, pois quanto mais o perigo de destruição se aproxima, mais torna evidente a necessidade e o desejo de transformação do sistema, o medo do fim da humanidade pode abrir possibilidade para uma metamorfose do ser humano (Ibidem, p. 181). Morin aposta no conceito de homem genérico, ou seja, a capacidade que o ser humano tem de gerar-se e regenera-se suas qualidades. (Ibidem, p. 182). E o individualismo é o efeito colateral do processo de emancipação humana, nas palavras do filosofo: “O individualismo de nossa civilização – não é tanto uma vitória do egoismo sobre o civismo ou do privado sobre o público, mas o resultado do progresso histórico da emancipação de massa que instala, para o melhor e o pior, a responsabilidade dos nossos atos em nós mesmos” (Ibidem, p. 91).
Esse é o paradoxo do tempo presente, para não voltarmos atrás no tempo e perdermos toda história de luta pela igualdade, liberdade e fraternidade, daqueles que nos precederam, além de não conseguirmos propor um sistema ético coercivo, não devemos propô-lo. Precisamos pensar a ética em mundo complexo e livre, que carrega em si, as beneficias e as mazelas da liberdade adquirida. Segundo Edgar Morin:

Quanto mais uma sociedade é complexa, menos são rígidos ou coercitivos os limites que pesam sobre os indivíduos e os grupos, de maneira que o conjunto social pode beneficiar-se de estratégias, iniciativas, invenções ou criações individuais. Mas o excesso de complexidade destrói os limites, flexibiliza o laço social e, no extremo, a própria complexidade dilui-se na desordem. Nessas condições, a única proteção de alta complexidade está na solidariedade vivida, interiorizada em cada um dos membros da sociedade. Uma sociedade de alta complexidade deveria garantir a sua coesão não somente por meio de “leis justas”, mas também pela responsabilidade/solidariedade, inteligência, iniciativa, consciência dos seus cidadãos. Quanto mais a sociedade se complexificar, mais ela necessitará de auto-ética (Ibidem, p. 149; grifo nosso).

A ética individualizada ou auto-ética, que é característica de nosso tempo, aparece  quase sempre, quando há dissolução das éticas tradicionais (Ibidem, p. 91). Ela apareceu pela primeira vez, na história da humanidade, em Grécia, no século V a.C., e permitiu aos filósofos, embora respeitando a moral de seu povo, questionar essa moral e propor novos caminhos de ação humana e superação da moral comunitária (Ibidem, p. 23). A crise possibilita, então, o melhoramento do ser humano e de suas relações. Porém, ela também pode favorecer o movimento reverso.

Crises favorecem as interrogações, estimulam as tomadas de consciência, as buscas de novas soluções e, nesse sentido, ajudam as forças generativas (criadoras) e regeneradoras adormecidas tanto no ser individual quanto no social. Mas, ao mesmo tempo, as crises favorecem as soluções neuróticas ou patológicas, ou seja, a designação, a perseguição até mesmo a imolação de um bode expiatório (indivíduo, grupo, classe, etnia, raça), a busca de soluções imaginárias ou quiméricas. Na ambivalência da crise o importante, para a ética, é de não ceder à histeria, de salvaguardar a tolerância e a compreensão. É nas situações de crise que há, ao mesmo tempo, degenerescência e regeneração da ética (Ibidem, p. 85).

Morin busca no próprio ser humano, pois somente o sujeito autônomo é o produtor de ações essas podem ser éticas ou não. Podemos dizer, então, que Morin propõem uma proposta educativa visando que esses sujeito aja, de maneira autônoma, eticamente. Se os fundamentos exteriores estão em crise. Para tal, o sujeito deve promover uma reforma no pensamento a fim de estabelecer uma ético que o auxilie, no mundo pós-moderno, a buscar soluções para melhor vivermos nesse planeta, nossa Terra-Pátria.
Assim, proposta ética moriniana se estrutura a partir de uma tríade recursiva[8] entre: Antropologia Complexa, Epistemologia Complexa e Ética Complexa (Ibidem, p. 65).

Antropologia Complexa: Ontologia Ética

Edgar Morin apresenta a ética como parte constitutiva da natureza humana, ou seja, nós só somos seres humanos, pois, dentre outros atributos, nós somos seres de ética, e sem ela, perdemos nossa humanidade. Nossa natureza humana é, segundo a antropologia moriniana: 100% biológica e 100% cultural (Ibidem, p. 19). A ética manifesta como imperativo (lei, exigência, dever) em nós e para nós, em nossa própria estrutura bio-cultural:

O seu imperativo origina-se numa fonte interior ao indivíduo, que sente no espírito como a injunção de um dever. Mas ele provém também de uma fonte externa: a cultura, as crenças, as normas de uma comunidade. Há, certamente, também uma fonte anterior, originária da organização viva, transmitida geneticamente. Essas três fontes são interligadas como se tivessem um lençol subterrâneo em comum” (Ibidem, p. 19; grifo nosso).

Nós possuímos três fontes de ética: uma interior; outra externa; e doutra anterior. A primeira, nós podemos perceber em uma pequena hermenêutica atribuída a Confucio, pai do Confucionismo, doutrina filosófica e religiosa chinesa. Confucio diz: Se alguém, qualquer que seja, de caráter bom ou mau, ver uma criança prestes a cair em um poço, qual é a sua reação?; seus discípulos respondem: “Salvar a criança!”. Confucio concluí que essa atitude é o princípio de bondade presente a cada pessoa, em alguns pode até estar adormecido, mas está lá (MENGZI, 2a: 6). A segunda fonte está em nosso aprendizado cultural, são as normas que aprendemos com aqueles que nos relacionamos, elas podem ter valores sagrados ou jurídicos, exemplo: Não matarás; Não roubarás. E, por fim, a terceira fonte nos é transmitida geneticamente, ela não é exclusividade da especie humana, podemos perceber em outras especies comunitárias, como as aranhas, formigas, abelhas e nos mamíferos que se solidarizam para se protegerem, alimentar, cuidar da prole. A diferença que há entre os seres humanos e as outras especies é que para esses, ela é determinante, enquanto para aqueles não é, ou seja, ela está presente em nós como imperativo, mas nós podemos decidir em acatar, obedecer ou não esse imperativo.
A reflexão moriniana sobre ética é uma reflexão antropológica e vice-versa. Antropologia Complexa é modo ético de assumir o destino humano (Ibidem, p. 159). Por isso, para prosseguirmos falando de ética, se faz necessária uma breve reflexão sobre o humano. Nós somos um todo complexo (do latim: complexus = tecido junto) formado uma estrutura hologramática, em que cada parte está presente em nosso todo e o todo nas partes, podendo o todo ser maior que as partes, igual e menor que elas. Apresentemos algumas dessas estruturas. Primeira: singularidade; espécie; sociedade. Segunda: Biológica; social; individual. Terceira: Genética;Imprinting; cultura.
Nós somos formado e cada atitude nossa se dá pela união, conflito, superposição, negação dessas partes, infinitamente. Assim, nascemos com uma carga genética própria, individual e única, mas que carrega em si todas as características da espécie humana e essa só se revela na individualidade de cada ser humano; somos educados dentro de uma cultura especifica, que apresenta ritos, deuses, leis e dogmas próprios, esses, por sua vez, afetam diretamente o nosso modo de ser. E nascemos em uma família específica, que vive a cultura local de determinada forma, e condiciona a forma como reagiremos à cultura e à sociedade. Nenhuma estrutura é superior à outra, cada sujeito é único e cada momento desse sujeito também é único, em que uma estrutura prevalecerá, subordinará ou se unirá as demais.
As fontes éticas estão presentes em todos os indivíduos. Mas é o sujeito particular que decidirá a forma e a quantidade que as fontes jorraram em seu ser. Segundo Edgar Morin: “Todo olhar sobre a ética deve levar em consideração que sua exigência é vivida subjetivamente” (Idem, p. 21). E ninguém pode assumir o lugar do sujeito de decidir. Logo, a ética é inicialmente um ato egocêntrico. É quando assumimos como sujeito de nossa vida e da história. Ser sujeito é se auto-afirmar, situando no centro do mundo: egocentrismo (Idem, p. 19).
O sujeito vive, portanto, uma relação dialética entre egoismo e altruísmo (Idem, p. 20). Para que ele aja eticamente, ou seja, livremente, sem uma força maior que o obrigue  a determinada ação, é preciso primeiro que ele se feche em si, se volte para si. Esse ato de fechamento faz com que ele se depare com a constituição hologramática de seu ser. Como dissemos a pouco, o ser humano é formado e constituído por várias tríades, que interagem infinitamente. Assim, o fechamento nos leva a contemplação de nosso eu, e nos deparamos com a nossa individualidade que carrega em si e revela a universalidade da humanidade. No nosso ser está a cultura e a constituição biológica da natureza humana. Daí, por mais paradoxal que pareça, o fechamento nos leva à abertura.
Para existir nós precisamos nos separar[9]. E por estar separados, nós podemos nos relacionar. “O diabo (diabolus) é o separador. O diabo está necessariamente em cada um de nós, pois somos todos indivíduos separados uns dos outros. Mas somos passíveis de religação. A disjunção, ou separação sem religação, permite o mal; o bem é religação na separação. O excesso de separação verifica-se quando não há religação” (Ibidem, p. 104).
O sujeito sem a religação individuo-sociedade-biologia, se fecha em si, no seu individualismo. Assim, o fechamento que é princípio de abertura ao outro: altruísmo, pode ao invés de se abrir, nos levar ao maior fechamento que é o egoísmo extremo, em que, sacrificamos, em benefício próprio, tudo e todos que estão à nossa volta. Nossa barbárie interior vem à tona e ganha proporções gigantescas. Por isso: “O problema ético central, para cada indivíduo, é o da sua barbárie interior. Para superar essa barbárie, a auto-ética constitui uma verdadeira cultura psíquica, mais difícil e mais necessária que a cultura material, física” (Ibidem, p. 93).
Por isso, o sujeito ético necessita fazer uma cisão do pensamento sobre si – compreender-se e corrigir-se, a fim de eliminar a sua barbárie interior e agir eticamente. Para tal, Morin propõe uma nova forma de epistemologia.

Epistemologia Complexa

A epistemologia complexa possibilita a auto-reflexão a fim de o conduzir a prática da solidariedade e da não-barbárie, superar o paradigma moderno de conhecimento de dominação da natureza, procura abrir ao sujeito ético o seu enraizamento biológico-social. Nas palavras de Edgar Morin:

Ainda que possamos nutri-la nas fontes da religação cósmica, a ética complexa necessita daquilo que é mais individualizado no ser humano, a autonomia da consciência e o sentido da responsabilidade. Necessita, como vimos, do desenvolvimento do potencial reflexivo do espírito, especialmente na auto-análise e na atenção à ecologia da ação. A ética complexa conecta-se, ao mesmo tempo, à religação vinda das profundezas do tempo e à religação do nosso tempo, da nossa civilização, da nossa era planetária. (Ibidem, p. 194).


O sujeito ético pode errar, principalmente ao pensar que está agindo corretamente. “As dificuldades do autoconhecimento e da auto-análise crítica correspondem à dificuldade da lucidez ética. A maior ilusão ética é crer que se obedece à mais alta exigência ética quando, na verdade, se está agindo pelo mal e pela mentira” (Ibidem, p. 55). O erro faz parte de nossa estrutura mental, nós podemos errar devido aos paradigmas culturais, em que fomos formados e que somente através dos quais conseguimos ler o mundo. Esses paradigmas impedem que enxerguemos aquilo que escape ao seu campo de visão e excluem outras visões oriundas de paradigmas diversos do nossos (Ibidem, p.  117). O erro pode também advir de nossa capacidade imaginativa que impede distinguamos aquilo que fantasiamo e imaginamos do real (Ibidem, p. 56). E por fim da nossa auto-justificação, são as mentiras que contamos para nós, que ao serem contadas, se tornam para nós verdades e justificam nosso egoísmo (Ibidem, p. 119).
O conhecimento dessas fontes de erro nos ajudam, além de aumentar nossas capacidade de reflexão, pois percebemos que o contrário de uma verdade profunda não é uma mentira, mas outra verdade profunda (Ibidem, p. 106), conviver com o outro, aceitar várias opiniões e trabalhar para a democracia, ou seja, religar com a sociedade, que está presente em nós.
A epistemologia complexa pretende que tenhamos uma nova relação com a natureza, não mais concebê-la como nossa serva, a qual, podemos maltratá-la e dominá-la, a fim de tirar dela lucro, mas re-estabelecer nosso enraizamento cósmico (Ibidem, p. 164-5), que é religar o nosso individualismo à natureza. Segundo Edgar Morin:

Todo conhecimento pode ser posto a serviço da manipulação, mas o pensamento complexo conduz a uma ética da solidariedade e da não-coerção (…), podemos imaginar que uma ciência que traga possibilidades de autoconhecimento abra-se para a solidariedade cósmica, não desintegre o rosto dos seres e dos entes, reconheça o mistério e, todas as coisas, poderia estabelecer um princípio de ação que não ordene, mas organize, não manipule, mas comunique, não dirija, mas estimule (Ibidem, p. 63).

Pelo nosso enraizamento, nós participamos do destino da natureza, ela se torna mãe de todos os povos, se ela morre, morremos juntos. Somos, portanto, co-responsáveis uns com os outros do destino da Terra. E ela se torna nossa mãe, e expande nosso conceito de pátria. Doravante, somos irmãos e filhos da Terra-Pátria.
A terceira preocupação epistemologia de Morin se refere à ecologia da ação. “Enquanto a solidariedade alimenta a nossa responsabilidade, a ecologia da ação[10] mina-a” (Ibidem, p. 100). Nós estamos em tempos de incerteza, logo a não-certeza que nossa ação dará certo, tende a diminuir a nossa ação ética. Porém, Morin propõe que assumamos o risco da incerteza e aprendamos a apostar: “Visto que as consequências de uma ação justa são incertas, a aposta ética, longe de renunciar à ação por medo das consequências, assume essa incerteza, reconhece os seus riscos, elabora uma estrategia” (Ibidem, p. 56).
Por fim, o pensamento complexo pretende religar os saberes, esses que foram, pela ciência moderna: fragmentados. Morin pretende devolver os saberes ao seu contexto, em um jogo de inter‑relações e pensá-los a longo prazo. A ciência precisa ser concebida juntamente com a ética e estar a serviço da solidariedade, possibilitando que o processo cognitivo se dê juntamente com o processo moral (Ibidem, p. 62).

Ética Complexa: Religação

A ética complexa permite que trabalhemos na construção de nossa Terra-Pátria, em um mundo livre, sem coerção, e aprendendo com os erros do passado caminharmos para um mundo melhor.
Morin diz que a ética é complexa: “por ser de natureza dialógica tem que enfrentar a ambiguidade e contradição. É complexa por estar exposta à incerteza do resultado e comportar aposta e estratégia. É complexa por não impor uma visão maniqueista do mundo e renunciar à vingança punitiva” (Ibidem, p. 195).
Por ela recusa toda a moralina[11] , ao invés disso, abre ao dialogo e ao perdão. A ética complexa compreende o ser humano em sua complexidade (sapiens/demens, faber/mitologicus, economicus/ludens, prosaico/poético, uno e múltiplo). E com esse ser humano que é ser de razão, mas também que tem sonhos, devaneios, que pode acertar, mas também falhar, que decidirá ou não agir eticamente.
Todo o esforço da ética complexa é produzir uma comunidade de irmãos, conscientes que agem moralmente em prol do bem de todos. Como a ética é um ato individual, realizado pelo sujeito ético, ela somente se realizará, se o sujeito conseguir religar e regrar suas fontes éticas, se ele for completo em sua relação indivíduo-sociedade-biologia.

Referências


MÊNCIO. Livro de Mêncio. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2009.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003a.

_____________. O Método 6: Ética. Tradução: Juremir Machado da Silva. 3ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2007.

_____________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva, Jeanne Sawaya. 2ª. Edição. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

_____________. Para onde vai o mundo? Tradução: Francisco Moras. Petrópolis: Vozes, 2010.

_____________.em: MORIN, Edgar; NAÏR, Sami. Uma Política de Civilização. Tradução: Armando Pereira da Silva. Coleção: Economia e Política. Lisboa – Pt: Instituto Piaget, 1997.

NOVAES, Adauto (org.). O Silêncio dos Intelectuais. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


[1]   Resenha de: MORIN, Edgar. O Método 6 – ÉTICA. 3ª ed. Tradução: Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.
[2]    É impressionante que sobre a ruína da providência divina a humanidade leiga, a Filosofia das luzes, a ideologia da razão tenham podido fazer uma hipóstase e uma nova divinização da ideia de progresso, ao transformá-lo em lei e necessidade da história humana; e esta ideia foi tão desencarnada, tão desacoplada de toda realidade física e biologica que levou a ignorar o princípio de corrupção e desintegração que atua na PHISIS, no cosmos, na Bios (MORIN, 2010, p. 29-30).
[3]    Entendemos pós-modernidade como: corrente de pensamento surgida depois do fim da modernidade. Segundo Edgar Morin: “Se a modernidade é definida como fé incondicional no progresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, então esta modernidade está morta” (2000, p. 72).
[4]    A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos programados. O programa é a determinação a priori de uma seqüência de ações tendo em vista um objetivo. O programa é eficaz, em condições externas estáveis, que possam ser determinadas com segurança. Mas as menores perturbações nessas condições desregulam a execução do programa e o obrigam a parar. A estratégia, como o programa, é estabelecida tendo em vista um objetivo; vai determinar os desenvolvimentos da ação e escolher um deles em função do que ela conhece sobre um ambiente incerto. A estratégia procura incessantemente reunir as informações colhidas e os acasos encontrados durante o percurso. (Idem, 2003a, p. 62).
[5]    A ética complexa é inevitavelmente modesta. Ordena que sejamos exigentes conosco e tenhamos indulgência, melhor, compreensão pelos outros. Não tem a arrogância de uma moral de fundamento garantido, ditada por Deus, pela Igreja ou pelo Partido. Autoproduz-se a partir da consciência individual. Não tem poder absoluto, somente fontes, que podem se esgotar (Idem, 2007, p. 196; grifo nosso).
[6]    Alusão ao poema de Antônio Machado, poeta espanhol: “Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao caminhar” (MACHADO apud MORIN, 2000, p.115).
[7]    (Hölderlin apud Morin, 2007, p. 181)
[8]    O princípio do circuito recursivo ultrapassa a noção de regulação com as de autoprodução e auto-organização. É um circuito gerador em que os produtos e os efeitos são, eles mesmos, produtores e causadores daquilo que os produz (MORIN, 2003, p. 95).
[9]    Um mundo só pode advir pela separação e só pode existir na relação entre o que é separado. Se o que precede o mundo é o infinito ou o nada não-separado, o mundo surge de uma ruptura, de uma deflagração desse vazio ou infinito (Ibidem, p. 31).
[10]  Ecologia da ação é a consciência que todas as nossas ações escapam do nosso domínio a partir do momento em que entra em um jogo interativo com as forças da natureza, assim, ela pode ter um efeito totalmente diverso daquilo que era nossa intenção inicial (MORIN, 2007, p. 41).
[11]           Morin tira esse conceito de Nietzsche: “A moralina (…) é a simplificação e a rigidificação éticas que conduzem ao maniqueismo e que ignoram compreensão, magnanimidade e perdão (2007, p. 55).
                Há dois tipos de Moralina de Indigna e de redução. Segundo Morin:
                Moralina de Indignação: sem reflexão nem racionalidade conduz à desqualificação do outro. Impregnada de moral, a indignação não passa, com frequência, de uma máscara de colera imoral.
                A moralina de redução coloca o outro no mais baixo da escala, remetendo-o aos seus maus atos realizados e às suas ideias nocivas, pelo que é totalmente condenado. Significa esquecer que esses atos ou ideias dizem respeito semente a uma parte da vida do sujeito, que, depois, pode ter evoluído, ou até mesmo se arrependido. (Ibidem, p. 55-6). 

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