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domingo, 20 de junho de 2010

Catecismo da Não-Resistência

Pergunta – De onde foi tirada a expressão “Não-Resistência”?
Resposta – Da frase: Não resistais ao homem mal. (Mt 5, 39).
P – O que exprime esta expressão?
R – Exprime uma alta virtude cristã ensinada por Cristo.
P – Devemos aceitar a expressão da não-resistência em seu sentido mais amplo, ou seja, que ela significa que não devemos opor qualquer resistência ao mal?
R – Não. Ela deve ser compreendida no sentido exato do mandamento de Cristo, isto é, não pagar o mal com o mal. É preciso resistir ao mal com todos os meios justos, mas não por meio do mal.
P – De onde se deduz que o Cristo tenha ordenado a não-resistência neste sentido?
R – Das palavras que ele pronunciou a este respeito: “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. E eu vos digo: Não te oporás ao malvado; assim, se alguém te bate na face direita, oferece-lhe a esquerda. E se alguém quer brigar contigo, e tirar-te o manto, deixa-lhe também a veste.”
P – De que fala o Cristo ao dizer: “Ouviste o que foi dito?”
R – Dos patriarcas e dos profestas e do que eles disseram e que está escrito no Antigo Testamento que os israelitas chama geralmente de a Lei e os Profestas.
P – A que mandamento o Cristo faz alusão com as palavras: “Vos foi dito”?
R – Ao mandamento com o qual Noé, Moisés e outros profetas dão o direito de faz um mal pessoal àqueles que vos fizeram mal para punir e para suprimir as más ações.
P – Cite estes mandamentos.
R – Quem versa o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue versado (Gn 9,6).
Quem ferir a outro e causar sua morte será morto.
Mas se houver dano grave, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe (Ex 21,12.23.24.25).
Se um homem golpear um ser humano, quem quer que seja, deverá morrer.
Se um homem ferir o próximo, desfigurando-o, como ele fez assim se lhe fará.
Fratura por fratura, olho por olho, dente por dente (Lv 24,17.19.20).
Juízes investigarão cuidadosamente. Se a testemunha for uma testemunha falsa, e tiver caluniado seu irmão, então vós a tratareis conforme ela própria maquinava tratar seu próximo.
Que teu olho não tenha piedade; vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé (Dt 19, 18.19 e 21).
Eis os mandamentos de que fala Jesus.
Noé, Moisés e os profetas ensinam que aquele que mata, multila ou martiriza seu semelhante pratica o mal.
Para se opor a este mal e para suprimi-lo, querem aquele que o praticou seja punido com a morte, com a mutilação ou com qualquer outro castigo. Querem pagar ofensa com ofensa, homicídio com homicídio, sofrimento com sofrimento, o mal com o mal. Mas Cristo desaprova tudo isto. “Eu vos digo não vos oponhais ao mal, não pagueis ofensa com ofensa, nem mesmo se deveis suportá-la novamente” - escreve ele no Evangelho. O que era lícito está proibido. Tendo compreendido que gênero de resistência ensinavam Noé, Moisés e os profetas, sabemos igualmente o que significa não-resistência ensinada por Cristo.
P – Admitiam os antigos a resistência à ofensa com a ofensa?
R – Sim, mas Jesus a proibiu. O cristão não tem em caso algum o direito de tirar a vida ou de atingir com castigo aquele que lhe fez mal.
P – Pode ele matar ou ferir para se defender?
R – Não.
P – Pode ele levar acusações diante dos tribunais para obter a punição do ofensor?
R – Não, porque o que ele faz por intermédio dos outros é o que realmente faz.
P – Pode ele combater um exército contra os inimigos de fora ou contra os rebeldes internos?
R – Não, é claro. Ele não pode tomar qualquer parte na guerra, nem mesmo na organização da guerra. Não pode usar armas mortais, não pode resistir à ofensa com a ofensa, seja sozinho ou unido a outros, aja por si ou por intermédio dos outros.
P – Pode ele, voluntariamente, reunir e armar soldados para o Serviço do Estado?
R – Ele não pode fazer nada disto, se quiser ser fiel às leis do Cristo.
P – Pode ele, com benevolência, dar dinheiro ao governo que é sustentado pelas forças armadas, pela pena de morte e pela violência?
R – Não, a menos que este dinheiro não se destine a um objetivo em especial, justo por si mesmo e cujos fins e meios sejam bons.
P – Pode ele pagar impostos a tal governo?
R – Não, ele não deve voluntariamente pagar impostos; mas não deve resistir ao recolhimento de impostos. O imposto decretado pelo governo é recolhido independentemente da vontade de contribuintes. O homem não pode escapar dele sem recorrer à violência, e o cristão, não podendo usar de violência, deve abandonar a sua propriedade às arrecadações do poder.
P – Pode um cristão ser eleitor, juiz ou agente do governo?
R – Não, a participação nas eleições, na justiça, na administração, nos faz participar da violência governamental.
P – Qual a principal virtude da doutrina da não-resistência?
R – A possibilidade de cortar o mal pela raiz em nosso próprio coração, assim como no de nossos semelhantes. Esta doutrina reprova o que perpetua e multiplica o mal no mundo. Aquele que ataca seu próximo ou que o ofende provoca sentimentos de ódio, origem de todo o mal. Ofender o próximo porque ele nos ofendeu, com o propósito de repelir o mal, é reprovar uma má ação, é despertar ou pelo menos liberar, encorajar o demônio que pretendemos repelir. Satanás não pode ser expulso por Satanás, a mentira não pode ser purificada pela mentira, e o mal não pode ser vencido pelo mal.
A verdadeira não-resistência é a única resistência ao mal. Ela degola o dragão. Destrói e faz desaparecer por completo os maus sentimentos.
P – Mas, se a ideia da doutrina é justa, ela é, afinal, exequível?
R – Tão exequível como todo bem ordenado pela Sagrada Escritura. O bem, para ser feito em qualquer circunstância, exige renúncia, privações, sofrimentos e, em casos extremos, o sacrifício da própria vida. Mas aquele que preza mais sua vida do que o cumprimento da vontade de Deus já está morto para a única vida verdadeira. Tal homem, querendo salvar sua vida, perdê-la-á. Ademais, em geral, onde a não-resistência requer o sacrifício de uma só vida ou alguma felicidade essencial à vida, a resistência requer milhares de sacrifícios semelhantes. A não-resistência conserva, a resistência destrói.
É muito menos perigoso agir com igualdade do que com com injustiça, suportar a ofensa do que resistir a ela com violência. Em nossa vida atual, isto é também mais seguro. Se todos os homens se abstivessem de resistir ao mal com o mal, a felicidade reinara sobre a terra.
P – Mas, se somente alguns agissem deste modo, o que seria deles?
R – Ainda que um só homem agisse assim e que todos os outros concordassem em crucificá-lo, não seria mais glorioso para ele morrer pelo triunfo do amor do que viver e carregar a coroa dos Césares encharcada com o sangue dos imolados? Mas, fosse um só homem ou fossem mil homens a haver decidido não resistir ao mal com o mal, estivesse ele entre bárbaros ou entre selvagens, estaria muito mais livre da violência do que com aqueles que se apóiam na violência. O bandido, o assassino, o ladino deixá-lo-iam em paz, dando preferência aos que resistem com armas.
Aquele que golpeia com a espada perecerá pela espada, enquanto aqueles que buscam a paz, que vivem irmãmente, que perdoam e esquecem as ofensas desfrutam habitualmente de paz, durante a vida e são abençoados após a morte.
Se, então, todos os homens observassem o mandamento da não-resistência, não haveria mais ofensa, nem delito. Se por pouco que fosse, eles fossem a maioria, estabeleceriam logo o poder do amor e da benevolência também sobre os ofensores, sem nunca usar de violência. Se fossem apenas uma minoria importante, sempre exercitariam uma tal ação moralizadora e regeneradora sobre a humanidade que todos os castigos cruéis seriam anulados; a violência e o ódio cederiam lugar à paz e o amor. E ainda que não fossem senão uma pequena minoria, raramente teriam que sofrer algo pior do que o desprezo do mundo, e entretanto o mundo, sem se aperceber e sem ser agradecido, tornar-se-ia progressivamente melhor e mais sábio, em consequência da influência dessa pequena minoria oculta. Mesmo admitindo que alguns membros dessa minoria fossem perseguidos até a morte, estas vítimas da verdade deixariam atrás de si a sua doutrina já consagrada pelo sangue do martírio.
A paz esteja com aqueles que procuram a paz, e que o amor vencedor permaneça a herança imorredoura de todas as almas que se submetem livremente à lei de Cristo!
Não resistir ao mal com a violência.

Adin Ballou em: TOLSTOI, Leon. Reino de Deus está em vós. P 39-43.

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