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sábado, 12 de outubro de 2019

Nossa Senhora Aparecida: A Santa Negra Padroeira de um País Racista

Prof. Wilson Horvath

A experiência mística dos primeiros fiéis com Nossa Senhora Aparecida vai contra as formas de opressão social; responde desde sua aparição a questionamentos humanos existenciais e sociais. E possibilita ao povo lutar por uma vida mais digna e fraterna.


O Brasil é um dos países mais racistas e preconceituosos do mundo, se não for o mais, haja vista que os negros e indígenas são as etnias que mais sofrem assassinatos, em que há maior número de pessoas desempregadas ou em empregos precários, nelas ocorrem mais estupro de mulheres, etc.
Nós fomos o último país do ocidente a abolir a escravidão, somente em 1888, mais de dois terços da história do Brasil Moderno foi escravagista. E nesse contexto de escravidão e sofrimento, três pescadores encontram a imagem da Santa Negra, Mãe e Rainha das Águas Doces, no Rio Paraíba. E em seguida aconteceram, dentre outros, dois milagres (pesca e libertação) muito significativos, que nos trazem pistas teológicas que hoje ou estão esquecidas ou camufladas por práticas religiosas conservadoras e reacionárias.
Esses milagres respondem ou, ao menos, dialogam com a famosa fala de Marx, presente na Introdução à “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” que se tornou chavão nas ciências sociais: “A religião é o ópio do povo".
Essa máxima marxista é verdadeira se olharmos a partir de dois focos: Primeiro, ao longo da história da humanidade, a religião foi usada pela elite dominante como mecanismo de dominação e controle social. Segundo, a reflexão religiosa pode alienar, tirar do ser humano o entendimento e as preocupações de sua realidade concreta, fazendo-o refletir e aspirar um mundo metafísico imaginário.
No entanto, se olharmos de perto para a experiência de Aparecida, bem como a maioria das experiências religiosas em sua gênese, veremos o contrário, ou seja, elas nascem respondendo aos problemas concretos, do dia a dia, não metafísicos. E elas surgem para libertar e não oprimir.
E todas as experiencias religiosas significativas brotam ou dos pobres, daqueles que sofrem, como no caso de Aparecida, ou por aqueles que se identificaram com os pobres, tais como: São Francisco de Assis e Sidarta Gautama (Buda). Mesmo que posteriormente elas sejam cooptadas, controladas por aqueles que dominam; o seu nascimento nunca se deu “nos palácios”, mas sempre nas “manjedouras”, em meio aos escravos sejam do Egito sejam os das senzalas brasileiras.
Os milagres iniciais de Aparecida, assim, são manifestações do sagrado, do divino que vão nessa direção de emancipação, de transformação social e combate às injustiças, vejamos:
O primeiro deles diz respeito à alimentação, condição básica de sobrevivência, em que se manifestou na grande quantidade de peixes na pesca. Nossa Senhora de Aparecida quer que seus filhos estejam alimentados, que não sejam privados de meios de subsistência. A religião concreta atende tanto às necessidades materiais como às espirituais.


O outro milagre, que destaco, foi a quebra, o rompimento das correntes do escravo Zacarias. A Virgem Negra é contra a escravidão, lhe desagrada o fato de um ser humano dominar o outro. Ela como negra, sentiu o sofrimento de seu povo e os libertou das amarras sociais e escravocratas.
E essa experiência mística que os escravos, libertos pobres e devotos em geral fizeram em Aparecida deram forças para lutar contra a escravidão e outras formas de opressão.
O seu rosto negro é até hoje sinal de confronto, de antítese ao preconceito. Por mais racista que a pessoa seja, ela tem que se deparar com a Virgem Negra, isso necessariamente a faz questionar, mesmo que seja a nível do inconsciente. É uma questão de representação social.
E a Santa de Aparecida, Mãe de Amor, está nos corações das pessoas do povo, de uma forma impressionante, que como dizia Pascal: “minha vã filosofia é incapaz de explicar”. Ela é apoio, mãe generosa de forças para todos os que sofrem e caminham rumo a uma vida melhor tanto social como pessoal.

Viva Nossa Senhora Aparecida, Viva a Santa Negra.
E abaixo todo o preconceito e forma de opressão!





Um comentário:

  1. Professor ao ler este texto, lembro da sua voz como se estivesse nos contando a história. Com seu jeito único de boa trazer a realidade, e nos mostrar o que está oculto dentro da nossa história...

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