Atualmente, não só estamos no momento crepuscular quando o pássaro de Minerva, ou seja, a sabedoria, levanta vôo, mas também num momento de trevas, aguardando pelo canto do galo que vai nos acordar. O canto do galo vai nos deixar alerta para o homem, para a vida e para a humanidade. (MORIN, 2005, p.125).
Nós introduzimos nossa reflexão sobre Educação e Complexidade com esta expressão latina: Carpe diem quia tempus fugit. A primeira tradução ou sua tradução literal é: “Aproveite o dia porque o tempo foge”. Neste trabalho, nós usaremos uma tradução de cunho mais poético, que mantém o seu significado literal, mas amplia a sua significação: “Colha o dia porque se não ele cai como um fruto maduro e não poderemos mais saboreá-lo”. Assim, afirmamos, de antemão, que ao falarmos de Educação e Complexidade, estamos, procurando, desesperadamente, despertar de nosso sono ou ilusão profunda e aprender novamente a saborear o dia, a vida. Pois se não fizermos isso e logo!, talvez não teremos, nós e, principalmente, as futuras gerações, mais tempo de saboreá-lo novamente, pois ele estará no chão, apodrecendo.
A frase de Morin, usada por nós, como epigrafe desse trabalho, justificam nossa afirmação. Morin rememora uma expressão hegeliana, em que o filosofo alemão compara a Filosofia com o voo, no final da tarde, realizado pela coruja de Minerva. "A filosofia, tal como a coruja de Minerva, alça vôo apenas ao entardecer". Ou seja, nossa mente precisa de um tempo para se adequar e perceber as mudanças que estão ocorrendo, pois nossos paradigmas nos impedem de vermos e entendermos de imediato a realidade tal como ela nos apresenta. Porém, já houve o tempo da coruja levantar voo e o ser humano ainda não percebeu a realidade tal como ela está, já estamos no tempo do galo cantar e esse é o último tempo para nos darmos conta do que está ocorrendo e mudarmos o trajeto de nossas ações.
A reflexão construída percorrerá os seguintes passos: “Um fruto que corre o risco de apodrecer”, em que trabalharemos os problemas existentes; “Os porquês de estarmos deixando o fruto se estragar”, em que veremos as causas que levaram à existência dos problemas e, ao mesmo tempo, impedem que busquemos soluções; “despertar”, em que trabalharemos os recursos usado pela complexidade a fim de despertar o ser para a problemática;
Um fruto que corre o risco de apodrecer
Nós somos, ao mesmo tempo, parte viva do Planeta Terra e filhos dele. Para nos constituirmos como indivíduos, pegamos, por um pequeno espaço de tempo, átomos e moléculas terrestres, esses são trocados interruptamente com a natureza, durante toda a nossa vida até que se finde a nossa curta existência, momento esse, no qual devolvemos definitivamente à Terra o que ela nos dera, mas que nunca deixou de ser seu. Assim, somos, somados a todos os outros seres vivos e inanimados: o Planeta Terra e o Planeta se releva na totalidade dos seres, e também em cada parte, na individualidade de cada ser. Porém, pela nossa cultura, nosso modo de pensar, nos separamos da natureza da qual fazemos parte e nos tornamos estranhos a ela, que por sua vez se torna um mistério para nós. Estando separados da Terra, como seus filhos, nós, em um circulo recursivo1, moldamos à nossa imagem e semelhança a Terra que nos criou, tornando-a humanizada (MORIN, 2000, p.51).
O processo de humanização da natureza, em especial, após o advento da Modernidade, se deu em uma velocidade gigantesca. O pensamento moderno creu ser possível conhecer plenamente a natureza, e após conhecê-la, dominá-la. Nas palavras de Francis Bacon (1561 – 1626), filósofo precursor do pensamento moderno: “a natureza tem que ser acossada em seus descaminhos, obrigada a servir e escravizada, deve ser reduzida a obediência e o objetivo do cientista é extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos” (BACON apud CAPRA, 1982, p. 52).
O dizer de Bacon se tornou dogma nos anos subsequentes. O ser humano torturou e escravizou a natureza; visando o lucro, ele produziu a ciência moderna, essa desenvolveu técnicas de extração e domínio dos recursos naturais. Segundo Edgar Morin: “A ciência exclui todo juízo de valor e todo retorno à consciência do cientista; a técnica é puramente instrumental; o lucro invade todos os campos, inclusive os seres humanos e os seus genes” (2007, p.165).
As consequências desse modo de agir são responsáveis pelo alto nível de devastação e poluição ambiental, causando a extinção de várias espécies de plantas e animais; aquecimento global e devastação da camada de ozônio e consequentemente a desertificação de várias regiões do planeta e o aumento no nível de precipitação, ocasionando constantes tempestades. Esses fatos colocam em risco a continuidade não só da vida humana, mas de toda a vida no planeta (Idem, 1997, p. 120).
O pensamento moderno alterou não somente a forma como o ser humano relaciona com a natureza, mas o próprio relacionamento entre os membros da espécie humana. Para transformar a natureza à maneira moderna, exigiu-se o desenvolvimento da industria, local onde é aplicado as técnicas científicas; a industria por sua vez forçou o êxodo rural, logo: o crescimento e inchamento das cidades. Nas cidades os antigos laços de solidariedade, que ligavam as pessoas, como a amizade e o parentesco desapareceram; o sujeito tornou-se atomizado, isolado dos demais (Ibidem, p. 22). As relações de trabalho, seguindo técnicas comportais de manipulação, coisificaram o sujeito, ou seja, ele foi concebido como força física de trabalho, peça de produção da qual se tira lucro, podendo ser substituído a partir do momento, em que não dê mais lucro ao patrão. (Idem, 2005, p. 162). Esses fatos ampliaram a barbárie2 inerente à natureza do ser humano, o que provocou a disseminação da violência, indo desde a violência familiar e escolar à praticas terroristas, seja elas de Estado, como as guerras, seja elas de grupos contrários a dominação do Estado.
O ser humano, assim como o planeta, sofre com processo de humanização feito aos moldes moderno. As doenças relacionadas ao psico, como estresse, depressão aumentaram nos últimos anos, o que é comprovado no aumento da venda de remédios antidepressivos e psicotrópicos, que são campeões de venda; o número de hospitais psiquiátricos e as taxas de suicídio triplicaram entre os anos de 1962 a 1997; as drogas assolam a juventude, que, cada vez, mais cedo entram em contato com ela (Idem, 1997, p. 140). Esses fatos são as consequências sentida em nosso ser da ameaça de morte que paira em nosso mundo, imposta pelo pensamento moderno. Nas palavras de Edgar Morin:
Enfim, a morte ganhou espaço em nossas almas. As forças autodestrutivas, latentes em cada um de nós, foram particularmente ativadas, sob o efeito de drogas pesadas como a heroína, por toda parte onde se multiplica e cresce a solidão e a angústia.
Assim a ameaça paira sobre nós com a arma termonuclear, envolve-nos com a degradação da biosfera, potencializa-se em cada um de nossos abraços; esconde-se em nossas almas com o chamado mortal das drogas (Idem, 2000, p. 71).
E por fim, nós temos a ameaça nuclear, essa com força capaz de destruir grande parte da vida no planeta. A bomba atômica é a potencialização do poder de destruição inerente a natureza humana, nossa barbárie pessoal (Ibidem, p. 71), realizada pela ciência moderna. E é o maior exemplo que a ciência carrega em si um enorme poder de destruição. “Os poderes derivados da ciência são não só benéficos, mas também destruidores, manipuladores e cegos” (Idem, p. 16).
O objetivo dessa nossa primeira parte do trabalho, longe de fazer uma reflexão sensacionalista da realidade, é conscientizar da problemática atual, ou como nos fala Morin: “E, mesmo que nossos alarmes se revelem exagerados, terão sido úteis porque terão permitido implantar os meios que possibilitam afastar ou reduzir o perigo. Se os troianos tivessem dado ouvidos a Cassandra, suas profecias não se teriam realizado porque o aviso teria sido legítimo” (2005, p. 125).
Os porquês de estarmos deixando o fruto se estragar
A humanidade frente aos grandes problemas que a assolam, neste início de milênio, não consegue pensá-los de maneira efetiva a fim de encontrar soluções para eles e talvez uma boa parcela não consegue nem perceber que eles estão ocorrendo. É como se estivéssemos vivendo sob um pesado efeito de uma grande droga alucinogênea, que quanto mais os problemas avançam, mais ela traz alucinações.
Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável (Idem, 2003, p. 14-5).
A nossa cegueira, atribuímos três causas que interagem uma sobre a outra. A primeira é a ideia ou sentimento de certeza que o pensamento moderno está correto e conduzirá a humanidade a felicidade; a segunda é a fragmentação do saber, decorrente da hiperespecialização das disciplinas; e por fim, a atomização do individuo, que não se sente como parte integrante da humanidade.
A ideia de certeza que o pesamento moderno conduziria a humanidade à felicidade tem suas raízes no iluminismo. Esse corrente filosófica estava em oposição direta à Igreja Católica e ao modo de pensar medieval. Assim, os iluministas classificaram o período, em que o pensamento católico foi hegemônico, em Europa, como idade das trevas e o pesamento religioso como folclórico e atrasado. E, logo, se a humanidade outrora vivia sob as trevas, o iluministas trariam as luzes e o ser humano, livre da tutela da Igreja e com o uso correto da razão atingiria a maturidade e a liberdade. Os iluministas reformularam a ideia de Salvação, pregada pela Igreja, mas com algumas diferenças: A Salvação que outrora pertencia a uma realidade escatológica, para uma vida além morte foi trazida para essa vida; o salvador, ao invés, de Jesus Cristo, passou a ser o próprio ser humano, que dedicava ao estudo da ciência.
É impressionante que sobre a ruína da providência divina a humanidade leiga, a Filosofia das luzes, a ideologia da razão tenham podido fazer uma hipóstase e uma nova divinização da ideia de progresso, ao transformá-lo em lei e necessidade da história humana; e esta ideia foi tão desencarnada, tão desacoplada de toda realidade física e biologica que levou a ignorar o princípio de corrupção e desintegração que atua na PHISIS, no cosmos, na Bios (Idem, 2010, p. 29-30).
A humanidade precisou de um certo tempo para admitir que a ciência identificada com a razão, ao progresso, ao bem, podia ser profundamente ambivalente e carregar em si o poder de morte e destruição. Esta consciência veio somente das catástrofes ecológicas e nuclear (Idem, 2007, p. 71).
A ideia de Salvação, seja ela nessa vida ou em uma possível vida futura, dava ao ser humano, segurança, pois a ideia de salvação vem acompanhada do caminho para atingir a salvação. Assim, como a Igreja prega regras morais e participação em ritos sagrados, o pensamento moderno ensinou o método para pesquisar e agir tanto na natureza e em relação ao outro humano. Ao falhar ou, ao menos, ao perder a força reguladora da sociedade que tinham antes, tudo que era seguro, entra em crise (Idem, 2010, p. 19). Afinal, como contornar e reverter a situação, se aquilo (ciência) que acreditávamos que traria a salvação é a principal causadora dos problemas?
O fim da certeza que a ciência traria o progresso, possibilitou a percepção de outra falha inerente ao pensamento moderno, a fragmentação do saber. Para se desenvolver, o pensamento moderno precisou se separar da ética, essa que estava sob a tutela da Igreja Católica. Assim, tivemos, desde Maquiável, uma política independente, que visa apenas a eficácia e a manutenção do poder; a economia preocupada com o lucro; a ciência com o conhecimento manipulador da natureza e do humano (Idem, 2007, p.25).
O desdobramento dessa cisão entre ética e as demais áreas do saber foi uma hiperespecialização, em que o pesquisador se dedica cada vez mais a delimitação do objeto de pesquisa, isolando-o de seu contexto. As consequências desse processo são: A não compreensão do todo, impossibilitando ao cientista saber quais são as suas consequências ou mesmo sabendo, o isenta da responsabilidade com o todo, pois ele somente se responsabiliza com o que é específico de sua área de atuação (Idem, 1997, p. 138). E não conseguir encontrar soluções aos problemas atuais, pois esses, ao contrário do pensamento moderno, não são fragmentados, mas complexos, complexo do Latim: complexus, significa: tecido junto, ou seja, os problemas não são particulares ou específicos, mas fazem parte de um todo embrenhado.
Por fim, nós temos a atomização do indivíduo, esse que não se sente mais membro da espécie humana nem da sociedade, na qual vive. (Idem, 2007, p. 25). Essa ruptura na relação trinitária do sujeito faz com que ele se feche no egoísmo, se preocupando exclusivamente com ele próprio e no máximo com parentes bem próximos.
O Despertar
A educação complexa procura despertar o ser humano para os problemas existentes, esses que nos ameaçam de extinção, segundo Edgar Morin: “O Grande Motor não poderá ser outro que o medo do suicídio”(1997, p.131). A consciência que o nosso modo de vida está levando a humanidade ao suicídio coletivo é o ponto de partida da reflexão, é o motor de transformação, ou seja, é o que nos impulsionará a procurar soluções para a problemática atual. Porém, a consciência e o desejo de transformação, embora sejam imprescindíveis, por si só não bastam, pois na história houve vários movimentos, como o próprio pensamento moderno, que procuraram solucionar os problemas enfrentados pela humanidade e falharam e muitas vezes os seus resultados foram totalmente oposto ao seu objetivo inicial, por exemplo, o cristianismo que é a religião do amor, foi a religião mais sangrenta da história (Idem, 2007, p. 55); o socialismo, que procurou eliminar a barbárie da exploração do homem pelo homem, ao invés, de estabelecer a ditadura do proletariado, estabeleceu a ditadura sobre o proletariado (Idem, 2000, p. 89), em que o povo foi submetido às imposições e explorações do partido comunista. Segundo Edgar Morin:
Podemos melhorar as relações entre os seres humanos, o que significa, ao mesmo tempo, o indivíduo, a sociedade e os seus laços? Precisamos, inicialmente, constatar o fracasso histórico de toda tentação de aperfeiçoamento humano, seja pelos catecismos morais ou religiosos, pela educação, pela eliminação dos dominantes e exploradores, substituídos, quase sempre, por outros piores (2007, p. 86).
A educação proposta pela complexidade pretende: “Haverá que revolucionar o nosso modo de vida, o nosso modo de produzir, o nosso modo de consumir, tanto para sobreviver como para viver verdadeiramente” (Idem, 1997, p. 131). Essa pretensão está além do proposto pelo socialismo, que pretendia mudar a posse dos meios de produção, passando-os das mãos dos burgueses para o proletariado. Mas, a complexidade não pretende ter em suas mãos a ideia de salvação, que os antigos socialistas outrora tiveram. Ao contrário, o pensamento complexo não acredita que haja salvação. Assim, nos fala Morin: “A ética complexa é sem salvação e sempre promessa. Incorpora o desconhecido do mundo e do futuro humano. Não é triunfante, mas resistente. Resiste ao ódio, à incompreensão, à mentira, à barbárie, à crueldade.” (2007, p. 197).
Se não há Salvação, a complexidade aposta no potencial genérico (criador, regenerador) do ser humano. É o ser humano que poderá reverter a problemática atual, portanto é ele que deverá mudar a fim de mudar a sociedade.
Para tal, o pensamento complexo considera o ser humano em suas múltiplas dimensões, que é O indivíduo é sapiens/demens, faber/mitologicus, economicus/ludens, prosaico/poético, uno e múltiplo. Assim, a educação complexa não trabalha apenas o aspecto racional, mas procura trabalhar o lado místico, mitológico, louco do ser humano, a fim de que a paixão ilumine a sua razão e a razão ilumine as paixões. Ela lança mão dos variados tipos de arte (poesia, pintura, escultura, teatro) para sensibilizar o ser humano. Para que ele tome consciência que faz parte de um todo.
Saborear o Fruto: Bem Viver
Colher o Dia: Viver Bem
Em nossas considerações finais desse trabalho, afirmamos que o fim de Educação e Complexidade é ensinar o ser humano a aproveitar a vida e viver bem, consigo mesmo, com o planeta, com os demais. Assim, fala Morin, ao se referir a Política de Civilização: “O objetivo da política de civilização é a qualidade de vida, cuja manifestação é o Bem Viver, e não só o Bem-Estar que, reduzido às suas condições materiais, produz mal-estar.” (1997, p.165).
Bibliografia
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Editora Cultrix Ltda.,1982.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 8ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
_____________.Ciência com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. - Ed. revista e modificada pelo autor - 8ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
_____________. O Método 6: Ética. Tradução: Juremir Machado da Silva. 3ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2007.
_____________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva, Jeanne Sawaya. 2ª. Edição. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.
_____________.Para onde vai o mundo? Tradução: Francisco Moras. Vozes: Petrópolis, 2010.
_____________.em: MORIN, Edgar; NAÏR, Sami. Uma Política de Civilização. Tradução: Armando Pereira da Silva. Coleção: Economia e Política. Lisboa – Pt: Instituto Piaget, 1997.
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