Autor: Davis Sena Filho *
Ligo a
televisão e me deparo com o Mau Dia Brasil. Os apresentadores do jornal
matutino e conservador da Globo e de oposição ao Governo trabalhista, Chico
Pinheiro e Ana Paula Araújo, bem como a apresentadora de Brasília, Giuliana
Morrone, mostram-se inconformados ao tempo que irritados com os protestos de
ontem em São Paulo, quando centenas de pessoas mascaradas quebraram dezenas de
lojas de pequenos empresários, além de incendiarem caminhões e ônibus na
importante Rodovia Raposo Tavares, o que prejudicou enormemente um dos
trânsitos mais caóticos do mundo que é o da cidade de São Paulo.
Os
jornalistas do Mau Dia Brasil também se mostraram irritados com a “passeata” de
apenas 15 pessoas que protestavam por causa de moradia em uma das avenidas mais
importantes da capital bandeirante, o que gerou um enorme engarrafamento, a
prejudicar milhares de pessoas, que de manhã se dirigem para seus trabalhos. A
resumir: 15 pessoas (o número é este mesmo!) no meio de uma enorme via, a parar
o trânsito e a impedir que as pessoas cheguem a seus empregos com menos tensão
ou estresse.
Contudo, a
imprensa de negócios privados, à frente o jornalismo da Globo, assopra e morde
e essa conduta é perceptível desde as primeiras manifestações acontecidas em
junho, quando parcela da classe média coxinha e reacionária percebeu que tinha
uma grande oportunidade, juntamente com os Anonymous e os Black Blocs, de
protestar na carona do Movimento Passe Livre (MPL), grupo organizado em um
tempo de dez anos, que apresenta pautas sociais, de esquerda, como, por
exemplo, o passe livre para os estudantes, melhor mobilidade, meios de
transportes limpos e confortáveis, além de horários pontuais e transparência
das contas dos empresários desse segmento tão importante para a sociedade.
Nunca, jamais
os Black Blocs e os Anonymous apresentaram, de fato e pontualmente, quaisquer
pautas de reivindicações. Sempre se conduziram de maneira aleatória,
ridiculamente alienada e perigosamente violenta. Aliás, a violência contra as
polícias Civil e Militar foi a tônica, porque essas corporações ficaram e ainda
estão de mãos atadas. Os agentes de segurança não podem responder à altura à
violência perpetrada pelos mascarados, que, em cada “protesto”, inclusive os de
conotação trabalhista e de categoria profissional, a exemplo dos professores e
bancários, aproveitam para destruir o patrimônio público e privado de uma
forma, irrefutavelmente, criminosa.
Não há
sentido para as últimas quebradeiras, a não ser para os meios de comunicação
privados, que fomentam e apoiam as passeatas e os protestos, para logo depois
falar mal deles, em um círculo vicioso, que atinge, inclusive, os que depredam
e cometem todo tipo de violência. De fato, trata-se de uma estratégia muito bem
elaborada pela direita midiática e pelos seus aliados do PSDB. Essas
perspectivas não se concretizam à toa, pois a luta pelo poder é dura e renhida,
pois a direita brasileira jamais vai ceder espaço ou se conformar em não ter em
seu poder a cadeira da Presidência da República. A instituição-chave para a
classe social e econômica que controla os meios de produção e luta,
intermitentemente, para evitar a distribuição de renda, de riqueza, de empregos
e de terras.
Os homens e
as mulheres chamados de “especialistas” do establishment, e, comprometidos com
sua suposta hegemonia de classe, perceberam que a direita brasileira, da qual
eles fazem parte, está a experimentar uma decadência política e eleitoral como
nunca antes aconteceu neste País, apesar da força do dinheiro e do patrimônio
adquirido no decorrer de séculos de todas as formas legais e ilegais por esses
grupos sociais dominantes.
A crise é
evidente nesse campo político, e, consciente disso, a direita se recoloca e se
apruma em entidades conservadoríssimas e exemplificadas no Instituto Millenium,
dentre outras, que ideologicamente fazem o papel dos partidos conservadores, a
exemplo do DEM, e, principalmente, do PSDB. Tais partidos fracassaram como
matrizes e porta-vozes da ideologia conservadora, tanto nos aspectos políticos
quanto nos econômicos. O castigo veio a galope. Há quase doze anos não vencem
as eleições presidenciais. Sendo que, de acordo com os institutos de pesquisas,
alguns deles propriedades de barões magnatas bilionários de imprensa, o
candidato favorito é a socialista e trabalhista do PT, a atual presidenta Dilma
Roussef.
A intenção da
direita empresarial é se reorganizar, pois perceberam que o PSDB fracassou com
sua política neoliberal, de entrega dos bens públicos e voltada para os
interesses dos ricos, subserviente e subordinada aos ditames de uma ordem
mundial que sugava, e muito, as riquezas dos povos dos países pobres e
emergentes, que levou o Brasil a ser quebrado três vezes e, por conseguinte,
ficar vergonhosamente sob a tutela do FMI e do Bird, ou seja, dos Estados
Unidos e de meia dúzia de países hegemônicos da Europa. A direita está
desesperada, ao ponto de pensar, inclusive, em criar um partido militar e até
mesmo refundar a Arena, agremiação extinta e que durante muitos anos deu
sustentação à ditadura militar.
Ano após ano,
os direitistas por ideologia e a parcela conservadora da sociedade, que está
estratificada em todas as camadas sociais, inclusive nas pobres e principalmente
na classe média e rica, observam que estão a perder influência sobre o povo
brasileiro, pois ele sabe que, apesar de faltar ainda muita coisa para o Brasil
ser um País igualitário e justo, as conquistas sociais e econômicas são,
inquestionavelmente, realidades que não podem ser bloqueadas como as águas de
um rio frente às barragens.
Aconteceram,
na última década, conquistas sociais e econômicas tão profundas, que o povo
brasileiro vai pensar inúmeras vezes para se aventurar em votar em um candidato
de direita. Se um conservador assumir o poder, certamente vai dar início a uma
política de privatização, de diminuição do estado e de bloqueio de
investimentos estruturais, além de efetivar, sem sombra de dúvida, o fim de
programas e projetos de distribuição de renda e de riqueza, que são
considerados sucessos reconhecidos e consagrados internacionalmente, porque se
tornaram, indelevelmente, o calcanhar de Aquiles da direita brasileira
colonizada, violenta, de passado golpista e escravocrata.
Com a
ascensão do PT ao poder, a direita começou a perder, paulatinamente, o controle
sobre as instituições republicanas, bem como seu poder de influência e
barganha. Primeiro, perdeu a maioria na Câmara dos Deputados a partir de 2003.
Com o tempo e após o fim da Era Lula e início do Governo Dilma, o Senado, que
era tratado pela imprensa de mercado como o Olimpo da moral, da honestidade e
dos bons costumes, passou a ser, recorrentemente, alvo do sistema midiático
privado.
O Governo de
Dilma Rousseff, igualmente com que acontece na Câmara, passou a ter maioria no
Senado, instituição que se tornou um entrave político para a direita midiática
e partidária, que, incessantemente, transformou o Senado em uma Casa de
malfeitores ao tempo que, concomitantemente, começou tratar o Supremo Tribunal
Federal como o templo sagrado das virtudes humanas e, quiçá, divinas.
Certamente,
ora veja, coisa que o STF não o é, como comprovam as inúmeras decisões e ações
de juízes de direita. Gilmar Mendes, Luiz Fux, Marco Aurélio de Mello, Celso de
Mello e Joaquim Barbosa transformaram a Corte mais importante do Brasil em um
partido conservador e determinado a fazer política de combate ao Governo
trabalhista, além de apoiar nitidamente o PSDB, o DEM e o PPS. Esses
mandatários do Judiciário são bajulados pela imprensa cartelizada e
monopolizada por meia dúzia de famílias, que pensam, pois presunçosas e
arrogantes, que o Brasil de mais de 200 milhões de habitantes e a sexta
economia do mundo é o quintal das casas delas.
Nos últimos
11 anos, a direita sentiu o golpe. Conforme o tempo passa, o número de
governadores, prefeitos e parlamentares diminui. Quem duvida sobre o que eu
afirmo que tenha a disposição de pesquisar no portal do TSE. Com a distribuição
de renda e a efetivação dos programas sociais, as velhas oligarquias regionais
estão a perder influência e poder. É visível. Por causa desse enfraquecimento
se verifica um menor número de políticos eleitos por esses grupos oligarcas e
que a ferro e fogo dominaram durante séculos as prefeituras do interior
brasileiro e, consequentemente, controlavam o dinheiro público, pois são
oligarquias, sobretudo, patrimonialistas, que, em forma piramidal,
aglutinavam-se em âmbito estadual, depois interestadual até conquistar o
controle do Governo Federal.
E assim foi
feito durante séculos, até o PT chegar ao poder. O partido rompe com as
oligarquias, que combateram ferozmente os trabalhistas Getúlio Vargas, João
Goulart e Leonel Brizola, ao tempo que mantém certos grupos oligarcas como
aliados, a ter o PMDB, partido que ainda funciona como uma grande frente de
diferentes grupos políticos e regionais, como o principal aliado da base de
sustentação da presidenta trabalhista Dilma Rousseff. O que mais importa ao PT
é efetivar uma estratégia de governar em forma de coalizão. Por seu turno, o
que interessa também é manter o programa de Governo e projeto de País do PT,
que são propostas generosas, reformistas, mas não revolucionárias e que mesmo
assim são combatidas tenazmente e digo até perversamente pela oligarquia
brasileira, uma das mais cruéis do mundo e que escravizou seres humanos por
quase 400 anos.
E é esse
processo que a direita e sua caixa de ressonância, a imprensa corporativa, não
entendem ou fingem não entender para que os coxinhas reacionários de classe
média sejam cooptados e apoiem seus interesses inconfessáveis e, obviamente,
não deixem, entre muitas outras coisas, de se manifestarem em passeatas que no
fundo têm o propósito de realizar ações políticas, muitas delas violentíssimas,
que a imprensa de negócios privados tem a insensatez e a maledicência de chamar
de “justas e pacíficas” quando a verdade é que elas são violentas,
despolitizadas, pois grande parte dessas pessoas se diz “apolítica” e
“apartidária”, o que, sobremaneira, não condiz com a verdade dos fatos. Ponto.
A direita
perdeu. Os coxinhas até então enrustidos, reaças de classe média e as “elites”
em geral perceberam que as manifestações iniciadas pelo MPL, uma entidade de
esquerda que luta pelo passe livre, seria uma grande oportunidade para elas
irem às ruas e botar suas diatribes para fora. Porque se tem gente recalcada,
rancorosa e inconformada com a ascensão econômica e social dos mais pobres,
essa gente se chama classe média e classe alta. Vejo, ouço e sinto isso todo
dia nas ruas, nos restaurantes e bares, no trabalho, nos táxis e no metrô e nas
reuniões sociais, a classe média a reclamar de forma açodada da vida e a
desejar que o PT perca as eleições.
Os coxinhas
são de amargar o que já é amargo. Eles são o egoísmo em toda sua plenitude, a
ausência de compaixão em toda sua essência e a impiedade em toda sua
ferocidade. Depois eles e elas retornam para suas casas; beijam seus filhos,
muitos deles rezam antes de dormir e vão descansar sob o sono dos que,
equivocadamente, consideram-se justos. Durma com um barulho desse e acorde com
o silêncio da hipocrisia.
Desde junho
acontecem manifestações. Devem ser aos milhares a contabilização desses eventos
que a mídia comercial cinicamente chama de “pacíficos e justos” até que os
mascarados cheguem novamente, como já aconteceu, às portas da Editora Abril — a
Última Flor do Fáscio —, da Rede Globo e de O Globo — aqueles que fizeram um
“mea culpa” mequetrefe e nada sincero no Jornal Nacional e em editorial
impresso sobre o enriquecimento e a cumplicidade da família Marinho com a
ditadura militar — e mais uma vez joguem cocô em suas portarias e paredes.
Além disso,
quem não sabe que os repórteres da Globo (e de outras emissoras) não foram
alvos de cantorias e palavras de ordem contra suas empresas, incluindo-se a
CBN. Receberam ordem da direção para parar de cobrir pessoalmente os protestos,
retiraram dos microfones o logotipo da empresa, bem como passaram a fazer as
coberturas jornalísticas a voar em helicópteros, porque sabe como é, né? “O
povo não é bobo; abaixo a Rede Globo!”
Então, vamos
à pergunta teimosa que se recusa a se calar: “Se as manifestações são
pacíficas, porque os repórteres da Globo cobriram e ainda cobrem os protestos
de longe?” Respondo: Porque há décadas os trabalhadores, os manifestantes de
todas as épocas, inclusive os de agora, e o povo em geral sabem que o jornal O
Globo e a TV Globo, em particular, e a imprensa de mercado em geral nunca e
jamais vão ser a favor dos interesses dos trabalhadores, porque essas empresas
de passados golpistas pertencem ao outro lado, o campo da direita, a mesma que
no decorrer dos séculos luta contra a independência e autonomia do Brasil e a
emancipação do povo brasileiro.
O que está a
acontecer no Brasil é o que as pessoas, as que têm a compreensão do que é ser
de esquerda, bem como entendem o processo político e econômico em andamento e
colocado em prática pelo PT, chamam de esquerdismo infantil praticado por
partidos de esquerda, a exemplo do PSOL, do PSTU e do PCO. Essas agremiações,
apesar de serem antagônicas aos partidos direitistas, unem-se a eles em um
frenesi político, que lembra a ferocidade dos tubarões ou dos leões na hora de
se alimentar. É surreal ao tempo que real.
Para quem não
sabe ou não conhece esse processo de se equivocar ou se deixar manipular pela
imprensa burguesa, fatos como esses já aconteceram em outros episódios da
história política do Brasil, principalmente nos tempos de Getúlio Vargas e de
João Goulart. Posteriormente, muitos esquerdistas “infantis”, depois de
perseguidos quando a direita conquistou o poder por meio de golpes, arrependeram-se
e fizeram também um mea-culpa, o que aconteceu com mais frequência após a
Anistia de 1979.
Não concordo
quando dizem que essas pessoas são inocentes úteis, como também considero a
mesma coisa em relação aos Black Blocs, grupos que descambaram simplesmente
para o crime e a violência gratuita. Ações mostradas quase todos os dias nas
televisões e consideradas, equivocadamente e cinicamente, como manifestações
justas e pacíficas, quando a verdade é que grande número dos protestos não foi
pacífico, bem como nem sempre é toda manifestação é justa. Até porque a maioria
também erra, como já foi comprovado inúmeras vezes na história da humanidade.
Ponto.
O brasileiro
tem essa característica. Passa anos a fio sem gritar, quebrar, marchar,
incendiar, protestar e quebrar o patrimônio público e privado. Sinceramente,
fico feliz quando o cidadão toma consciência e passa a ter discernimento sobre
as coisas da vida, da sociedade e do Brasil. Contudo, nítido e visível se
tornou a realidade quando existe a percepção de que um grande número das atuais
manifestações perdeu o sentido político. E por quê? Porque quando as pessoas
protestam sem objetivo sabemos que tais eventos não são ações e atos
reivindicantes e se perdem em um vazio de despropósitos. Todavia, os seres humanos
são animais políticos, inclusive aqueles que dizem odiar a política, bem como o
analfabeto político tão decantado no texto do poeta e dramaturgo alemão,
Bertolt Brecht.
O povo foi às
ruas. É verdade. Mas os coxinhas da classe média tradicional e os filhos dos
ricos se retiraram, porque são conservadores e reacionários iguais aos barões
magnatas bilionários da imprensa de mercado e sobraram a protestar nas ruas os
grevistas das categorias profissionais, grupos oportunistas de marginais e os
Black Blocs, sem ideologia, “apartidários”, “apolíticos” e com uma pauta de
reivindicações inexistente, porque aleatória e, consequentemente, sem sentido.
Os mascarados
se dizem anarquistas, mas ser anarquista é outra coisa bem diferente. A
violência das manifestações tem a máscara dúbia da Globo e seu bordão de única
palavra: “pacíficas”. Os jornais da Rede Globo que falam mal dos eventos ao
tempo que os apoiam, pois no ano que vem o Brasil vai ter eleições
presidenciais. É tempo de protestomania! É isso aí.
* Davis Sena Filho é editor do blog Palavra Livre
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